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Canalizador da Genialidade

Preocupados em extrair o máximo do artista e, muitas vezes, responsável por aproximá-los do público, produtores musicais são fundamentais para realizar grandes discos.

Por Rafael Roncato


Sentado em frente a um computador do estúdio Costella, Chuck Hipolitho trabalha em um esboço de música enviado por Fábio Cascadura, cantor e compositor da banda soteropolitana à qual empresta seu sobrenome. “Ele me deu total liberdade para fazer o que quisesse”, comenta Chuck enquanto analisa mais uma vez a voz e o violão do músico baiano. Após pensar na canção, ele se prepara para gravar a bateria. “Ainda não sei o que fazer”, diz, em tom de brincadeira, seguindo para o estúdio, que antes era a garagem da casa. A sala foi transformada em sala de controle, com o computador e equipamentos de captação e gravação. “Não queria que fosse um estúdio ‘profissa’, queria um quarto em que as pessoas pudessem se sentir em casa.”

Em menos de 10 minutos, Chuck volta para a sala com a bateria gravada e diz: “Viu, é rápido. Tem que fazer do jeito que vier”. Senta então de volta ao computador e, com o microfone posicionado ao seu lado, inicia a próxima etapa: gravar as vozes. Uma olhada rápida na letra, pega o tom e logo toda a primeira linha de voz está gravada ao seu estilo. “Agora vem a parte mais legal: dobrar a voz. Fica bem John Lennon, tudo fica mais bonito”, explica ele, que, depois de ter tocado e gravado com os Forgotten Boys por diversos anos, atualmente divide seu tempo entre ser VJ da MTV, estar prestes a lançar seu primeiro disco como frontman das Vespas Mandarinas e também aventurar-se como produtor. “Quando comecei a trabalhar com estúdio, percebi muito mais claramente qual era o papel de um produtor musical”, conta.

Tanto que, para o novo álbum de seu grupo, o guitarrista optou por um produtor que somaria ao projeto. “É muito comum o artista estar tão imerso em seu próprio trabalho que uma opinião de fora ajuda muito a tomar certas decisões”, explica o produtor Daniel Ganjaman, conhecido por lançar recentemente, em conjunto com Marcelo Cabral, o aclamado disco Nó na orelha, do rapper Criolo. Para Chuck e Ganjaman, o produtor musical passa a ser uma espécie de “olhar externo qualificado” na hora de transformar o projeto artístico em algo concreto.

Mesmo não aceitando livremente os pitacos do passado, durante os anos de Forgotten Boys, Chuck teve a oportunidade de trabalhar com ótimos produtores, inclusive com o próprio Ganjaman, que assinou dois discos: Forgotten Boys e Stand By The D.A.N.C.E.. E, ao olhar para trás, ele relembra com carinho as primeiras experiências ao lado de um produtor profissional: “Foi quando ouvi os primeiros ‘nãos’ e os primeiros ‘cala a boca, faz o que eu tô mandando. Aprendi isso em estúdio e hoje valorizo.

Confiança

Mas como o artista deve escolher um produtor para trabalhar? Muitas vezes, ter o melhor profissional não é garantia de um trabalho perfeito com determinada banda. “O produtor é a pessoa que faz a comunicação do que você faz para um ouvinte comum”, explica Chuck, que completa: “O que realmente interessa é você chegar ao coração da pessoa que não entende absolutamente nada de música e nada de gravação”.

Tendo trabalhado com todo tipo de artista, desde Raimundos até a rainha do tecnobrega Gaby Amarantos, a visão do renomado Carlos Eduardo Miranda pode ser equiparado ao de um guru: “O produtor é como um médium, ele precisa fazer o contato da alma do artista com o público. Fazê-lo ultrapassar todos os fios, emoções e caminhos eletrônicos”. 

Já para o famoso produtor Rick Bonadio, o seu trabalho é tirar o melhor do músico, dirigindo-o artística e tecnicamente durante as gravações. Mesmo que de forma menos romântica, seu trabalho consiste em “cuidar do repertório, ajudando o artista a decidir as melhores músicas a serem gravadas e também acertar os arranjos para que estas sejam coerentes com ele". 
Independentemente das palavras usadas para definir o papel do produtor musical em relação ao artista, a confiança parece ser um denominador comum nessa discussão. “Tem que se sentir à vontade com quem você escolheu para sair um bom trabalho”, explica Miranda.

“Se você confiar no produtor, então pode ir para o caminho que ele disser”, comenta Daniel Weksler, baterista do NX Zero. “Se a banda permite um trabalho mais próximo do produtor e se ele possuir experiência, tendo um bom approach, dá para trabalhar abertamente com todos opinando por igual, sempre respeitando a ideia original do compositor”, completa.

Parceiros desde 2006, Bonadio e o NX Zero mostram que o trabalho de quem cuida da produção não é uma via de mão única. “Acho que existiu um amadurecimento mútuo, eu aprendi muito com eles também”, conta Bonadio.

Parcerias
 
“Tive o pressentimento de que Amy seria indicada para alguns prêmios, e estava esperançoso de que uma ou duas categorias pudessem me levar com ela. Soube que fui nomeado como produtor do ano por mensagem do Rich, meu melhor amigo – acho que entrei em choque, porque produtor do ano era a categoria que menos esperava. Achava que não tinha feito nada notável além do disco da Amy: apenas um monte de gravações underground.” Foi dessa forma que o produtor Mark Ronson definiu para o jornal britânico The Guardian sua surpresa ao ser nomeado, junto com Amy, para diversas categorias no Grammy de 2007.

Ronson foi uma das peças essenciais para o sucesso de Back to Black, segundo disco da cantora britânica, que ganhou cinco prêmios Grammy, além de vender cerca de 12 milhões de cópias em todo o mundo. A parceria deu certo: uma cantora de enorme talento, com ótimas letras e referências de grandes canções soul, e um produtor visionário e cheio de sacadas musicais. “Acho que ele é o produtor certo pra ela”, opina Chuck. “É o cara que vai e fala: ‘Meu, se for feito desse jeito, o resultado vai ser esse. Confia em mim, segura na minha mão, vem comigo’.”

Como Ronson não conseguia reproduzir a sonoridade clássica do soul sessentista que ele e Amy desejavam, o profissional teve a sabedoria de bater na porta da gravadora Daptone Records.

Lá pediu emprestado o som underground dos The Dap-Kings, banda da cantora Sharon Jones. O resultado nós conhecemos: um dos melhores discos da década e a consagração de Amy Winehouse. “Além de produzir, ele foi o cara que trouxe os Dap-Kings para gravar com ela. Ele moldou o som? Sim, mas atendendo e entendendo tudo o que já acontecia dentro dela e que talvez ela nem soubesse como botar para fora”, reflete Daniel do NX Zero.


  Um dos casos mais notáveis da combinação perfeita entre produtor e artista aconteceu com uma das maiores bandas que o mundo já viu: os Beatles. O quarteto criou juntamente com o produtor George Martin – que era considerado o quinto Beatle – uma série de músicas e discos que estarão para sempre entre os clássicos da música, atemporais. 


Boa parte dessa genialidade é relatada no livro de Clinton Heylin, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band – Um ano na vida dos Beatles e amigos, no qual se encontram histórias dos bastidores da gravação do disco mais cultuado desde a década de 1960.

No livro, o produtor conta que, no começo, os Beatles levavam as músicas já prontas para ele. Em 1967, durante as gravações do célebre disco, a situação era outra. “Muitas vezes, eles vêm ao estúdio sem nem mesmo ter composto uma música. Talvez já exista a ideia, a base sobre a qual trabalhar, o esqueleto... Pode-se dizer que eles dependem muito de mim. Eles sabem muitas coisas, mas não conhecem os detalhes”, explicou na ocasião.

Na época de Sgt. Pepper, o produtor começou a dar entrevistas nas quais recebia os créditos por muitas das soluções dadas ao disco, mas a história não foi bem recebida por McCartney, como se vê em uma entrevista de 1974: “Uma das críticas [...] de Sgt. Pepper [...] dizia: ‘Este é o melhor álbum de George Martin’. Ficamos abalados. Quero dizer, não nos incomoda que ele nos ajude [...] é uma grande ajuda, mas o álbum não é dele!”.

Segundo Ganjaman, a influência do produtor sobre o artista varia de caso a caso e de quem está sendo produzido. “É muito diferente fazer um trabalho de um músico solo e o de uma banda”, explica. “No artista solo, o produtor costuma intervir mais e acaba tendo um papel muito determinante no resultado final”.

Decisiva foi a influência de Rick Rubin na vida e obra do lendário cantor country Johnny Cash. Em 1986, o cantor havia sido abandonado por sua gravadora, a Columbia, e se encontrava esgotado, além de praticamente esquecido pelo público. Rubin e Cash se conheceram em 1993, quando o cantor ainda se encontrava perdido. Acreditando no potencial do músico, o produtor aceitou o desafio de recriá-lo, trazendo o seu melhor de volta. Considerado pela revista Rolling Stone um dos maiores produtores musicais de qualquer gênero e tendo produzido grandes discos com Run-DMC, Beastie Boys e Red Hot Chili Peppers, Rubin conseguiu ressuscitar a carreira de Cash, além de conquistar novos fãs com a regravação de músicas dos Nine Inch Nails, Tom Waits, Depeche Mode e Soundgarden.

Sr. Jazz

“Ele não é um artista, não é um compositor, nem mesmo um músico, no entanto Norman Granz é o Sr. Jazz”, é dessa forma que Oscar Peterson, considerado pelos críticos um dos maiores pianistas de jazz, via a importância deste grande produtor, falecido em 2001, aos 83 anos.

Pode até parecer estranho, mas Granz desejava que o jazz fosse ouvido de forma calma, sozinho no conforto do lar ou em salas de concerto. Isso mesmo, em salas de concerto. Ele foi responsável por uma quebra de paradigmas da época, já que este estilo musical era originalmente executado e escutado em espremidos e nebulosos clubes. Sem esquecer o tipo de público: negros e brancos, nunca ambos dividindo o mesmo teto. Além da tentativa de dar ao jazz a devida importância no meio musical e cultural, o produtor tinha por ideologia extinguir o preconceito racial pelo bem e por meio da música.

Em julho de 1944, a partir de seus ideais morais e musicais, Granz pôs abaixo o muro divisor e deu início ao seu Jazz at the Philharmonic (também conhecido pela sigla JATP), que apresentou shows nos palcos da Philharmonic Hall da Orquestra de Los Angeles. O formato foi um sucesso. E os concertos seguiram por todo os EUA e Canadá, também levando grandes artistas, como Nat King Cole, JJ Johnson e Benny Carter, a atravessar o Atlântico até salas do Reino Unido, por exemplo. Agora, negros e brancos dividiam o mesmo teto para apreciar jazz de qualidade.

Muito além de produtor, Norman Granz mostrou-se um grande homem de negócios no jazz. Foi ele o responsável por algo inédito até então: introduziu a ideia de gravação das apresentações da JATP para uso comercial. Nada mal para quem havia acabado de abrir sua própria gravadora, a Clef, em 1946. Já em 1953, ele deu início a sua segunda gravadora, Norgran, que acabou juntando-se a Clef para formar dois anos depois a Verve Records.

“Eu também fui o primeiro a explorar todas as possibilidades do LP. Deixei que os artistas tocassem o quanto eles sentissem necessário para criar. E fui o primeiro a fazer discos com apresentações de comediantes, como Shelley Berman, Mort Sahl e Jonathan Winters. Essas coisas me deram satisfação, não porque eles foram os primeiros, mas porque eu estava contribuindo mais do que um ordinário homem de negócios dono de uma gravadora”, disse Granz ao jornalista britânico Les Tomkins, em 1967.

Dez anos após a morte do lendário produtor, Tad Hershorn traz ao mundo uma análise crítica e profunda da vida e obra de seu biografado em Norman Granz: the Man Who Used Jazz for Justice. O livro reforça e amplia o que não se pode negar: sem a paixão de Granz pelo jazz, dificilmente teríamos registros importantes de grandes músicos do gênero. Inclui-se na lista Oscar Peterson (descoberto e empresariado pelo produtor), Lester Young, Roy Eldridge, Dizzy Gillespie, Art Tatum, Count Basie, Ben Webster; sem esquecer dos 16 discos de Ella Fitzgerald (também gerenciada por Granz) com songbooks da era de ouro da música americana.
Nem tudo que se toca é ouro


Por mais importante que um produtor seja, não quer dizer que todos os projetos encabeçados por ele sejam garantia de sucesso. O caso de Malcolm McLaren é exemplar. Conhecido por ter sido a mente criativa que inventou a estética, a atitude e o próprio som dos Sex Pistols (abaixo, foto de show da banda em 1977), que popularizou o punk rock mundo afora, McLaren não fez ouro em tudo o que tocou. Antes do sucesso, o produtor britânico testou suas ideias com a banda americana New York Dolls. Os Dolls chamaram a atenção de público e crítica, na década de 1970, com a proposta inovadora de resgatar o rock cru dos anos 1950. Nos shows, se apresentavam vestidos com roupas extravagantes femininas, o que rapidamente foi copiado pelos fãs, que acrescentavam purpurina ao look. Por conta disso, foram classificados pelos jornalistas de glitter rock ou glam rock.


Depois de lançar o bem-recebido disco de estreia homônimo, em 1973, e o segundo, Too Much Too Soon (1974), que não fez tanto sucesso, a banda entrou em contato com McLaren na tentativa de se reerguer.


“Os New York Dolls eram divertidos, porque eram um bando de bastardos vaidosos, e, sendo bastardos vaidosos daquele jeito, pensei que eram ligados àquela ideia de narcisismo tão evidente na geração de 1960 – de não querer crescer nunca. E esta ideia de não querer crescer nunca – os Dolls simbolizavam na sua forma transexual de vestir e na ideia geral de permanecer uma boneca, uma bonequinha”, conta McLaren no livro Mate-me, por favor, de Legs McNeil e Gillian McCain.


Conhecido por sua loja de roupas, a SEX, em Londres, o produtor decidiu experimentar dar aos Dolls um caráter político para a atitude debochada e confrontadora da banda. Em plena Guerra Fria, Malcolm achou que seria uma sacada vestir os Dolls com roupas vermelhas e colocar uma bandeira com uma foice e um martelo atrás deles nos shows.


“Havia toda uma 'política do tédio' e toda aquela ideia de vestir os Dolls de vinil vermelho e dar O livro vermelho de Mao pra eles – eu adorava foder com aquele tipo de cultura pop-trash de [Andy] Warhol, que era tão católico, tão chato e tão pretensiosamente americano, no qual tudo tem que ser um produto, tudo tem que estar à venda. Pensei: Foda-se. Vou tentar fazer dos Dolls o oposto total. Não vou deixá-los à venda. Vou dar um ponto de vista político sério pra eles.” Tal mudança drástica na estética não foi bem-recebida pelo público e o grupo, que já não ia bem das pernas, acabou se desfazendo em 1975.


Em uma de suas idas ao lendário clube nova-iorquino CBGB, McLaren conheceu o músico Richard Hell. A admiração pela persona de Hell foi tanta que o inspirou estética, poética e politicamente em sua futura empreitada musical, os Sex Pistols.



“Achei Richard Hell simplesmente incrível. Não se tratava de alguém vestido de vinil vermelho, com lábios cor de laranja berrante e saltos altos. Era um cara todo desmantelado, arrasado, parecendo que tinha recém-rastejado para fora do bueiro, que estava coberto de lodo, que não dormia há anos, que não se lavava há anos e parecendo que ninguém dava a mínima pra ele. E que ele não dava a mínima pra você! (...) E esse visual, a imagem desse cara, aquele cabelo todo espetado, tudo nele – não há dúvida de que levei aquilo para Londres. Ao ser inspirado por essa imagem, iria imitá-lo e transformá-lo em algo mais inglês”, contou McLaren, que implantou todo esse conceito nos Sex Pistols.


“Eu era apenas esse sujeito estranho com aquele sonho louco. Estava tentando fazer com os Sex Pistols o que fracassara em fazer com os New York Dolls. Estava pegando as nuances de Richard Hell, a viadagem pop dos New York Dolls, a política do tédio e misturando tudo pra fazer uma afirmação, talvez a minha afirmação final. E irritar aquela cena rock & roll, era isso que eu estava fazendo.”

(Com colaboração de Natasha Ramos)

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